terça-feira, 20 de setembro de 2011

Duas Colheres de Cólera.

 O garoto, admirado com as circunstâncias da sua vida e até onde os seus passos o levaram, estava deitado em sua cama, aborrecido talvez com alguma coisa que tenha ocorrido. Pensativo como de costume, ele levantou-se de sua cama. O quarto estava escuro pela alta hora da madrugada. Ele não conseguia compreender muito bem, mas sua cabeça girava e ele estava cansado de tudo o que havia ocorrido consigo, mesmo que tenham sido coisas boas que o fizeram crescer. Ele não queria mais se importar, pois sentia-se fraco, como se toda a sua muralha, aquela que ele demorou anos para erguer, estivesse se desfazendo e tornando-se pontes para outras pessoas, e tudo isso era muito complicado. Ele estava inquieto, sua cabeça não parava de doer. Era como se ele estivesse doente, mas não pela saúde frágil, nem pelo seu corpo mal nutrido, às vezes deteriorado pelos esforços repentinos de seus trabalhos incomuns lecionando línguas tribais, mas uma doença espiritual que o deixava muito aflito. Ele só conseguia pensar em como dizer às pessoas que se tornaram importantes na sua vida, como a caçadora e o rapaz, que ele não estava se sentindo bem ali, naquele lugar e que queria voltar para casa. Então ele colocou sua cabeça sobre o travesseiro para descansar. Colocou o braço direito sobre os olhos e em lágrimas começou a se preparar mentalmente para aquele que seria um dos seus trabalhos mais importantes.

Ao amanhecer, o garoto foi levado ao castelo de uma mulher que ansiava por conhecê-lo, pois todos diziam ser muito esperto, então ela queria aproximar-se dele para testar o mito que se formou à sua volta. Ao chegar lá, o garoto se deparou com um castelo incrível, tão suntuoso quanto a maior das fortalezas que ele apenas ouvia em histórias em volta da fogueira. No salão principal ele se deparou com uma mesa farta de alimentos que ele jamais havia visto igual em nenhum outro canto. Seu pensamento foi reconfortado ao ver que existiam tantas coisas além de sua íngreme visão. Seu coração estava gelado, mas ainda sim estava curioso para o que estava para acontecer, então ele observou aquela fartura e se sentiu tão inferior. Ele andou calmamente até a mesa, sentou-se em uma cadeira de madeira, macia e confortável, perante a louça bem trabalhada, aparentemente antiga e muito fina. Ele esperou ser servido por algum dos criados, que rapidamente tratou de pôr para ele uma iguaria que lhe foi apresentado como o “especial do chef”. Ele não sabia o que significava, mas achava aquilo o máximo. Estava contente por fora e apreensivo por dentro. Ele recebeu uma refeição magnífica à sua frente que não pode identificar os ingredientes, mas ela exalava um odor incomum que fez com que a sua visão se obscurecesse por alguns instantes, pois aquele odor presente o deixava tonto e em um piscar de olhos ao observar novamente a mesa, aqueles preparativos e alimentos eram na verdade um santuário macabro e manchado por um mau gosto surpreendente. Aqueles pratos suntuosos e bem delicados eram compostos apenas de vermes e insetos que caminhavam entre a fina porcelana e às vezes pelas mãos do garoto que se sentia encaixado naquele lugar pútrido e destroçado, com a mulher sentada ao centro da mesa com um véu sobre o rosto, como uma noiva que jazia ali enterrada naquele lugar. Ela convidou o garoto a alimentar-se junto à ela, mas ele apenas lhe deu a sua companhia, mesmo estando acostumado a ver seu alimento com aquela aparência ruim por um trauma de seu passado. Ele estava mais intrigado com a mulher e seu objetivo para com ele, então apenas esperou ansiosamente.

A mulher terminou a sua refeição de insetos, satisfeita e contente. Mesmo com aquela agitação toda, o garoto não conseguiu observar o rosto da mulher, mas a presença dela não o intrigava mais, pois ela parecia uma velha conhecida dele e ele não sentia medo por mais assustador que fosse o local ou sua anfitriã. Seu coração gelado estava mais calmo do que quando ele se encontrava na presença do rapaz ou da caçadora. Suas indecisões eram supridas apenas por suas fantasias em descobrir quem era a mulher misteriosa.

Ela o convidou ao seu escritório para que pudessem conversar, pois aguardava por isso ansiosamente. O garoto acompanhou-a pelos corredores sombrios do castelo guiado por uma luz fúnebre de uma tocha que a mulher carregava. Depois de algum tempo caminhando em silêncio eles se depararam com uma grande porta que ela disse ser de seu escritório, onde eles poderiam conversar sem aborrecimentos e intromissões desnecessárias. Ao entrar, ela sentou-se atrás da mesa e o convidou para sentar-se à sua frente. Caminhando com desconfiança o garoto sentou e se dispôs a ouví-la atentamente. Ela pediu para que o garoto contasse sobre a sua vida, pois ela gostaria de saber se tudo que ouvira fora verdade. Ele contou sobre suas aventuras detalhadamente e ela ouviu como uma grande expectadora mostrando-se a cada segundo estar interessada nos contos fantásticos que ocorreram na vida do garoto e após algumas horas de falatório ele finalizou contando sobre seu encontro no lago e até o momento que chegara ao castelo da mulher. Ela levantou o véu e não havia um rosto lá, apenas um vazio sem olhos, nariz ou boca, era como uma boneca de cera, mas o garoto ouvia a sua voz que era doce e gentil. Ela falava de coisas que o garoto não compreendia muito bem, mesmo sendo bastante inteligente.

Após falar de um futuro estranho de como seria o seu relacionamento com o rapaz, ela começou a falar do presente do garoto, da vida que ele leva atualmente, comparando com a vida que ele possuía anteriormente, disse que a visão que ele tinha dela e do local onde ela morava era a visão que habitava os seus pensamentos e sonhos mais tenebrosos e que na verdade tudo não passava de uma visão distorcida da sua cabeça assim como a visão que ele tinha quando consumia algum alimento ou quando evitava conhecer outra pessoa e imaginava sempre as piores coisas. Com isso o garoto ficou mais impressionado, pois a mulher falava, sempre em verdade, aquilo que se passava pelo coração do garoto. Ela caminhou até uma janela, observando o nascer do sol, pois o garoto havia ficado horas em seus aposentos. Ouvindo-a, então, ela finalizou com dizerem intrigantes de que eles voltariam a se encontrar quando o garoto se encontrasse e ao contemplar os raios de sol pela janela o garoto deparou-se em sua cama, como se tudo que tivesse se passado não tivesse sido apenas um pesadelo.

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